Pilates e Dor Lombar – Um olhar a partir das evidências científicas

Foto: Cristina Lima

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Por: Andressa Machado Moreira

Pilates, segundo sua definição, é a completa coordenação entre corpo, mente e espírito. Também podemos pensar em um método que através de 6 princípios, proporciona força, flexibilidade, um olhar para dentro de si, um entendimento do próprio corpo no espaço, a sensação de bem-estar físico e mental, a melhora do fluxo energético do corpo como um todo, ocorrendo uma limpeza de dentro para fora, quando compreendido e persistentemente praticado.

Segundo os princípios de Joseph Pilates, a Contrologia (assim definida por ele) é desenvolvida a partir da concentração, controle, centralização, fluidez nos movimentos, respiração e precisão. Entretanto Joseph já sabia quando desenvolveu sua metodologia de exercícios, da importância do fortalecimento da região do CORE (ou centro de força) para um melhor funcionamento do corpo de uma forma geral. Trazendo esta questão à tona, gostaria de comentar um artigo super atual que analisa o papel do Método Pilates no treinamento do CORE com o intuito de reduzir a dor lombar inespecífica (JOYCE, 2017).

Mas, antes de tudo, pensando no método Pilates como um aliado no tratamento da dor lombar, devemos lembrar de algumas questões cinesiológicas e biomecânicas da coluna. A literatura geralmente se refere à “estabilidade” da coluna quando o tema é lombalgia. Esta estabilidade pode ser definida como a habilidade da coluna em permanecer numa relativa posição neutra estando o indivíduo estático ou em movimento enquanto previne lesões nas estruturas locais (POPE, 1985; REEVES, 2007; IZZO, 2013)

Segundo Panjabi (1992), essa estabilidade é alcançada através de uma complexa integração entre três sistemas interdependentes: o osseoligamentar, o muscular e o sistema de controle neural. Estes devem estar em perfeita sintonia, ou seja, um compensando o outro se preciso for, já que uma deficiência ou lesão em qualquer um deles pode levar a uma anormalidade dos movimentos segmentares da coluna, sendo essa condição chamada de “instabilidade”.

O CORE se refere tipicamente ao controle muscular que envolve a coluna e que é requisitado para manter a estabilidade funcional. O conceito de controle neuromuscular é importante, pois a falta de força muscular, resistência e/ou controle pode permitir um movimento segmentar inapropriado ou excessivo, gerando repetidos traumas dentro e ao redor da coluna, gerando estímulo aos nociceptores dessas estruturas e assim gerando dor (AKUTHOTA, 2004; JOYCE, 2017).

Quando estudamos a biomecânica, compreendemos porquê vários estudos tem demonstrado associação entre fraqueza dos músculos do CORE, desequilíbrio e/ou pobre controle neuromuscular com a dor lombar. A estabilidade lombo pélvica é frequentemente entendida como algo estático, o que faz com que algumas intervenções terapêuticas muitas vezes tenham como objetivo treinar a estabilidade a partir da manutenção da postura estática do tronco durante o exercício. Entretanto, segundo Richardson (2011), deve-se pensar no controle e na estabilidade como um processo dinâmico de domínio da posição estática, quando essa for apropriada ao contexto funcional, porém que o tronco se mova de maneira controlada em outras situações.

Interessante perceber que Joseph Pilates já tinha esse entendimento do corpo antes desses conceitos serem descritos. Trazendo para esse contexto um dos primeiros princípios que vem à mente quando pensamos em tratar um paciente com dor lombar: a CENTRALIZAÇÃO, quando as extremidades se movem com liberdade e eficiência partindo de um tronco forte, móvel e equilibrado. Podemos observar diariamente na nossa prática clínica como o Pilates interfere na dor lombar, mas o que os estudos científicos estão dizendo sobre isso?

PILATES APLICADO ÀS DESORDENS DA COLUNA LOMBAR

Mesmo que relativamente pouco estudado, existem algumas evidências que sugerem que Pilates traz mudanças físicas as quais podem ajudar no tratamento da dor lombar, como melhorar a ativação do músculo transverso abdominal (que parece estar disfuncional nos indivíduos com esta queixa) e melhorar a flexibilidade dos músculos isquiotibiais (KLOUBEC, 2010; PHROMPAET, 2011) (existem estudos que demonstraram que seu encurtamento é um preditor para dor lombar (BATTIÉ,1990). Alguns estudos demonstraram também que Pilates melhora a força do músculo reto abdominal, a estabilidade lombo pélvica, a resistência abdominal enquanto reequilibra possíveis assimetrias dos oblíquos abdominais e transverso abdominal (DORADO, 2012; KLOUBEC, 2010; PHROMPAET, 2011).

Recentemente foi publicado um artigo que analisou pesquisas realizadas nos últimos 10 anos (JOYCE, 2017). Este nos relata que apesar da relativa escassez da literatura em Pilates e dor lombar, houve uma onda de revisões sistemáticas sobre o assunto (em 10 anos mais de 10 revisões). Estas revisões se basearam em estudos menores que possuíam diversos desfechos como seus objetivos. Sendo assim, as primeiras revisões sistemáticas conseguiram concluir de maneira “limitada” os efeitos do método Pilates na lombalgia. Conforme relatado na revisão sistemática de Wells (2013) (que pode ser considerada a Revisão Sistemática das Revisões Sistemáticas), a revisão inicial de La Touche e colaboradores (LA TOCHE et al., 2008) sugere que o Pilates é capaz de reduzir a dor e a incapacidade funcional enquanto outra revisão de 2012 (PEREIRA et al., 2012) verificou que o Pilates seria ineficaz em melhorar a dor e a incapacidade.

Depois dessas, muitas outras revisões foram realizadas, sendo que a mais recente, o estudo de Lin e colaboradores (LIN et al., 2016), evidenciou no Pilates uma melhora no alívio da dor e na capacidade funcional de maneira estatisticamente significativa quando comparada à cuidados básicos e rotineiros de saúde. Esse mesmo estudo constatou que exercícios semelhantes traziam os mesmos resultados quando realizados com o mesmo volume e intensidade. Portanto, baseado nessas múltiplas revisões, a literatura atual apresenta como senso geral a eficácia do Pilates no tratamento efetivo na redução da dor lombar e incapacidade, trazendo resultados semelhantes quando comparado a outros exercícios específicos.

Existem vários estudos tentando entender qual o papel do método Pilates quando aplicado à indivíduos com dor lombar (DORADO, 2012; KLOUBEC, 2010; PHROMPAET, 2011). Entretanto, esse assunto se torna complexo, visto que dor lombar não é um diagnóstico e sim um sintoma que pode estar associado à diversas entidades clínicas como espondilólise, espondilolistese, dor discogênica, tensão muscular, entre outras possibilidades. Outro fator que pode levar à uma distorção dos resultados é o fato da metodologia da prática de Pilates aplicada a cada estudo. Nos dias de hoje temos no mercado escolas com diferentes linhas de aplicação do método, por exemplo, Pilates contemporâneo e Pilates clássico, que ainda se dividem em exercícios aplicados no solo e exercícios aplicados nos equipamentos (fora ainda derivações do Pilates como Yogalates, Pilates na água, etc).  O que quero dizer é que ainda não existe um protocolo padrão para realizar uma pesquisa avaliando o Pilates como tratamento para dor lombar. Estes estudos utilizaram exercícios no solo, exercícios nos equipamentos, aplicação dos princípios de forma diferente, ou seja, a abordagem do método Pilates foi aplicada e analisada de variadas formas, fazendo com que estes estudos tenham utilizado diferentes protocolos. Para aumentar o viés, estes mesmos estudos definem “dor lombar inespecífica“ como diagnóstico, sendo que esta pode ser advinda de diferentes causas já citadas, representando uma mistura heterogênea de vários distúrbios. Ou seja, dentro de um mesmo estudo podem existir indivíduos com dor lombar devido a uma espondilolistese, e outros indivíduos com dor devido à uma contratura do músculo quadrado lombar.

Entende-se que a prática deva ser baseada em evidências, entretanto precisamos ter um olhar mais atento e crítico para as pesquisas quando estas têm uma pobre qualidade metodológica. Torna-se evidente que, para evolução da área, são necessárias mais pesquisas, nas quais tenhamos uma preocupação em delinear a metodologia com maior qualidade, de modo reaplicável, com estudos a longo prazo, e amostras mais significativas, para assim gerarmos conhecimento a partir de dados mais robustos.

Na minha experiência clínica, com mais de 10 anos trabalhando com o método Pilates, são inúmeros os casos que obtivemos resultados positivos. Estes resultados aparecem na melhora da dor, mas também no incremento da qualidade de vida destas pessoas de uma forma geral. A conscientização e consequente inserção da atividade física como um hábito faz toda a diferença. Gosto de fazer uma comparação entre o hábito de escovar os dentes com o hábito de mover-se na prevenção da saúde. Se pensarmos que para manter a saúde bucal devemos ter o hábito de escovar os dentes todos os dias, para mantermos a saúde do corpo como um todo devemos também ter o hábito de higienizar nossas articulações e músculos através do movimento consciente, e o Pilates é excelente nisso!

Referências:

Akuthota V, Nadler SF. Core strengthening. Arch. Phys. Med. Rehabil. 2004; 85:S86-92.

Dorado C, Calbet J, Lopez-Gordillo A, et al. Marked effects of Pilates on the abdominal muscles: a longitudinal magnetic resonance imaging study. Med. Sci. Sports Exerc. 2012; 44:1589Y94.

Izzo R, Guarnieri G, Guglielmi G, Muto M. Biomechanics of the spine. Part I: spinal stability. Eur. J. Radiol. 2013; 82:118Y26

Joyce AA, Kotler DH. Core Training in Low Back Disorders: Role of the Pilates Method. Curr Sports Med Rep. 2017 May/Jun;16(3):156-161.

Kloubec JA. Pilates for improvement of muscle endurance, flexibility, balance, and posture. J. Strength Cond. Res. 2010; 24:661Y7.

La Touche R, Escalante K, Linares MT. Treating non-specific chronic low back pain through the Pilates method. J. Bodyw. Mov. Ther. 2008; 12:364Y70.

Lin HT, Hung WC, Hung JL, et al. Effects of Pilates on patients with chronic non-specific low back pain: a systematic review. J. Phys. Ther. Sci. 2016; 28:2961Y9.

Panjabi MM. The stabilizing system of the spine. Part I. Function, dysfunction, adaptation and enhancement. J. Spinal Disord. 1992; 5:383-9.

Pereira LM, Obara K, Dias JM, et al. Comparing the Pilates method with no exercise or lumbar stabilization for pain and functionality in patients with chronic low back pain: systematic review and meta-analysis. Clin. Rehabil. 2012; 26:10Y20.

Phrompaet S, Paungmali A, Pirunsan U, Sitilertpisan P. Effects of Pilates training on lumbo-pelvic stability and flexibility. Asian J Sports Med. 2011; 2:16Y22.

Pope MH, Panjabi M. Biomechanical definitions of spinal instability. Spine (Phila Pa 1976). 1985; 10:255Y6.

Reeves NP, Narendra KS, Cholewicki J. Spine stability: the six blind men and the elephant. Clin. Biomech. (Bristol, Avon). 2007; 22:266Y74.

Richardson, C. Fisioterapia para estabilização lombopélvica: um sistema de controle motor para tratamento e prevenção da lombalgia / Carolyn Richardson, Paul W. Hodges, Julie Hides; [tradução de Vânia Canto Buchala]. São Paulo: Phorte, 2011. 320p.

Wells C, Kolt GS, Marshall P, et al. Effectiveness of Pilates exercise in treating people with chronic low back pain: a systematic review of systematic reviews. BMC Med. Res. Methodol. 2013; 13:7.

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