Educadora física e especialista em Pilates Clássico, 2ª Geração por Romana Kryzanowska no Brasil, Adriana Trotta concedeu entrevista à Revista Mais Que Pilates, em que avalia importantes questões sobre a formação do Pilates no Brasil. No texto, a profissional aborda os principais dilemas na didática do Pilates. Entre os temas, estão os problemas atuais acerca da formação no método, principais dificuldades no início da carreira, quando um profissional está apto a dar aulas a outros profissionais, a influência da internet no ensino do método e mais. Acompanhe abaixo.
O número de cursos, workshops e afins que propõem a qualificação do profissional em Pilates tem crescido bastante nos últimos tempos, com a popularização do método. Como você avalia esse cenário da didática no Pilates?
Tem um lado muito positivo, pois isso quer dizer que está tendo muita procura, que as pessoas estão se interessando mais pelo método e, desta forma, teremos mais pessoas praticando e usufruindo dos benefícios que ele nos oferece. Porém, a forma desordenada em que este crescimento tem acontecido me preocupa bastante.
Quais os principais problemas que você consegue identificar hoje, no que diz respeito à qualificação dos profissionais de Pilates?
O problema maior é que não há uma legislação específica do método, que dê referências do que é certo ou errado. Existe o Conselho Nacional de Normas-Padrão do Método Pilates – CNPP, do qual faço parte, que é uma associação formada por um grupo de profissionais experientes, que compartilham desta e de outras preocupações e tem como um dos objetivos construir essas referências. No entanto, os cursos que qualificam o profissional a trabalhar com Pilates são livres. Por exemplo, temos no mercado hoje cursos de formação “completa” de 50h até 1000h. Os profissionais saem de ambos os cursos qualificados para trabalhar com o Método, mas não há como comparar a qualidade profissional de um e outro. Com isso, temos uma avalanche de profissionais mal preparados no mercado.
Outro problema é o curso exclusivamente online. Com a pandemia, eles se multiplicaram e intensificaram o problema. Nos cursos de formação há conteúdos teóricos que podem, sim, serem dados de forma remota – e até alguns treinos específicos funcionam bem -, mas a parte prática deve ser presencial. O online deve ser agregado ao curso presencial, jamais substituir todo o conteúdo.
E, finalmente, para mim, o maior problema está nos profissionais mal preparados que estão à frente de muitos cursos de formação. Quando uma pessoa faz um curso para se formar profissional de Pilates, ela sai apta a atender cliente. Porém, muitas sentem-se equivocadamente preparadas para ensinar outro profissional e acaba criando um curso próprio de formação. Aí o problema se instala, e tende a piorar, pois uma outra pessoa pode fazer este curso do profissional equivocado e também se achar capaz de formar outro profissional, então isso vira uma bola de neve sem fim.
Quando um profissional deve ser considerado pronto para dar aulas de formação em Pilates a outros profissionais? Existe alguma exigência legal ou normativa nesse sentido?
Não existe nada legalizado ou normativo, infelizmente. O que posso dizer é o que a minha experiência de mais de 20 anos trabalhando com o Método me ensinou: a experiência em trabalhar com corpos diferentes é o que realmente ensina o profissional, que desenvolve o olhar, que avalia e sabe o que cada corpo precisa e como deve ser treinado. Não existe receita de bolo ou estudos teóricos que desenvolvam um profissional de Pilates, somente uma boa formação (que deve ser dada por um profissional muito experiente) e anos de experiência.
Então quando um profissional estaria realmente com uma boa formação em didática no Pilates para ministrar aulas a outros profissionais? Como fazer esta avaliação?
Quando finalizei a minha primeira formação, minha mestra Romana Kryzanowska reuniu o grupo e nos perguntou como nos sentíamos com a finalização do curso, se acreditávamos que estávamos preparados. Estranhei a pergunta, porém acreditava que depois de mais de 1000 horas entre curso, estágios e treinos, estaria completamente apta na didática no Pilates.
Então ela disse: “Vou dar um conselho para vocês: não abram estúdio por enquanto, trabalhem com profissionais mais experientes por pelo menos três anos antes de ter seus próprios estúdios. Trabalhem bastante e continuem praticando, talvez depois de cinco anos vocês entenderão um pouco mais sobre este Método”.
Naquele momento eu não entendi o que ela quis dizer, mas com o passar dos anos pude comprovar que só o tempo e a “mão na massa” amadurecem e qualificam o profissional na didática no Pilates. Na formação, recebemos uma quantidade enorme de informações, e com a prática aprendemos como utilizar essas informações para cada individuo, com suas dificuldades e limitações. É muito complexo, e só depois que as informações se transformam em conhecimento, o profissional estará apto a ensinar outro profissional. Com certeza será bem depois dos cinco anos citados por Romana.
Voltando agora para o ensino de Pilates a alunos e pacientes, quando um profissional está realmente pronto para dar aulas de Pilates?
O profissional deve primeiramente praticar o método, sentir no próprio corpo cada exercício, trabalhar suas dificuldades, entender como o seu corpo se condiciona e evolui. Depois, procurar uma formação, pesquisar muito, fazer aulas com diversos profissionais, sentir com que linha de trabalho tem mais afinidade.
Pesquisar sobre o profissional com quem pretende estudar: quanto tempo de experiência? Com quem estudou? Com algum elder (profissionais que foram alunos diretos de Joseph Pilates) ou alguém que estudou com um elder? Dá aulas para clientes comuns ou só para profissionais? Um bom curso de formação prepara o profissional para atender com segurança qualquer cliente.
Dar aulas para profissionais é muito diferente de dar aulas para clientes comuns, pois, na maioria das vezes, estes já têm experiência com outras atividades corporais e não apresentam grandes dificuldades em se movimentar. Ensinar uma pessoa com dificuldades e limitações corporais é outra coisa, e é isso que o profissional de Pilates tem que aprender no curso de formação, pois os clientes do nosso dia a dia têm dificuldades e limitações. Assim, é importante saber se o profissional que está à frente do curso de formação escolhido é realmente apto a formar outro profissional.
Quais as principais dificuldades que os profissionais enfrentam quando iniciam sua carreira dando aulas a seus alunos?
Eu tive a felicidade de estar próxima a uma profissional supercapacitada (Inélia Garcia) no início da minha carreira, que pode me dar toda a assistência que precisei. Mas o que mais ouço dos novos profissionais, principalmente os que fazem cursos rápidos, é a dificuldade em organizar as aulas, em avaliar o progresso do cliente, avaliar quando o cliente está apto a fazer exercícios mais avançados, como fazer os clientes evoluírem, e principalmente, como trabalhar com clientes com mais dificuldades e limitações.
Como superar essas dificuldades e tornar-se um profissional que realmente consegue manusear o método com qualidade?
As dificuldades em relação à parte prática do método realmente dependerão do curso que o profissional fez. Por exemplo, vejo em grupos de profissionais de Pilates em redes sociais perguntas do tipo: “estou com um aluno com hernia lombar, o que eu devo trabalhar? Alguém tem alguma dica?” Infelizmente, existem muitos cursos que colocam no mercado profissionais com dúvidas como essas.
Se o curso preparou o profissional, orientando a ensinar os exercícios com técnicas didáticas específicas, se teve uma carga horária considerável para que tivesse tempo de praticar no seu corpo e dando aula a colegas e clientes comuns com a orientação necessária, com certeza irá superar com facilidade os percalços do início da carreira.
Como você avalia a influência da internet na didática do Pilates, já que vemos muitas demonstrações de exercícios disponíveis a todos?
As redes sociais apenas intensificaram o problema da didática no Pilates. Definitivamente, o profissional que pesquisa o que vai dar para o seu aluno em redes sociais não foi bem preparado. Tem coisas interessantes na internet, mas a grande maioria é conteúdo de pouca qualidade. Ou seja, não dá para preparar aula no instagram, não é? Mas sei que tem muita gente que faz isso.
Quais os riscos para um aluno que faz Pilates com um profissional que não está realmente preparado para dar aulas?
Há um grande risco de lesão e até acidentes. Por exemplo, já vi em redes sociais pessoas colocando bolas em cima de aparelhos de pilates. A bola rola, e a pessoa cai. Ou pessoas fazendo exercícios que não existem, se pendurando de forma inadequada. Os aparelhos quebram e os acidentes acontecem. Muito sério isso!
Como o aluno pode se resguardar? O que ele deve observar ao escolher um profissional?
Pesquisar se o professor fez um bom curso de formação ou se só aprendeu assistindo a vídeos. Ofereço um curso de formação, o Pilates por Adriana Trotta – Formação Clássica e temos ainda os da Polestar Brasil. É importante procurar um profissional realmente qualificado, que fez um bom curso de formação, e não olhar apenas o lugar mais barato.
E quais seriam as características de um bom curso de formação?
Um bom curso deve ter pré-requisitos obrigatórios:
-Preparação física do profissional. Isto é, ele deve fazer um número mínimo de aulas antes do curso. Assim irá aprender no próprio corpo antes de aprender a ensinar outras pessoas;
– Carga horária mínima de 450h (referência da associação americana PMA), entre prática, teoria, estágios de observação, prática de ensino e avaliações;
– Independente da linha (clássico ou contemporâneo), o curso deve ensinar os exercícios criados por Joseph Pilates nos aparelhos e acessórios originais, mesmo que trabalhe outros conteúdos mais atuais. É importante saber diferenciar o original do que veio por seus elders;
– Ter um profissional realmente capacitado à frente do curso, com boa formação e experiente (pelo menos 10 anos trabalhando com o método). Vários elders formaram outros profissionais, e há representantes no Brasil.Eles “beberam direto na fonte ”(ou o mais próximo dela) e mantiveram mais a integridade do método, pois as informações se perdem com o tempo.