A força da gravidade é constante, pois sobre nosso corpo, ela atua desde o momento do nascimento até o último suspiro. A questão é que não a percebemos de forma concreta, apenas sentimos seus efeitos ao longo dos anos. Assim, aprender a reconhecer e como lidar com esta força é fundamental. Isso porque ela nos mantém conectados ao chão e faz incidir sobre nós uma constante pressão de achatamento. Portanto, ao compreendê-la, poderemos manter a saúde e a integridade das estruturas corporais, otimizando a nossa função. Por isso falaremos aqui da força de gravidade e Pilates.
Gravidade e verticalidade
Nossos antepassados mais remotos, em seu processo evolutivo, fizeram um grande esforço para vencer a gravidade na conquista da bipedia. Esta passagem foi construída, desse modo, pelo endireitamento progressivo do tronco, para melhor explorar o meio, ver presas e predadores, transportar comida e objetos úteis.
Tal demanda pela verticalidade necessitou de uma atividade mais importante dos músculos posteriores, assim como a ação dos músculos anteriores, que são anteflexores. Também permitiu trazer o olhar à frente nesta nova perspectiva, equilibrando a ação extensora dos músculos posteriores.
Com a verticalização das massas corporais, músculos que antes exerciam funções diferentes começaram a agir para ajustar e regular os centros de gravidade. No entanto, agora em uma ação antigravitária, para a manutenção do equilíbrio em pé.
A gravidade atua então diretamente sobre o empilhamento vertebral e os membros inferiores, deixando os membros superiores livres para exercerem atividades inéditas relacionadas à sobrevivência e à vida relacional.
Gravidade e vida celular
Da origem do homem bípede ao que agora desbrava o espaço, o que acontece quando não há a ação da gravidade sobre o nosso corpo? Em vários estudos sobre a ação da microgravidade no organismo de astronautas, Vernikos e Russomano observaram a importância que a gravidade terrestre exerce na manutenção da saúde óssea, miofacial e dos sistemas corporais.
Por exemplo, após viagens espaciais, pela simples ausência de gravidade, os astronautas apresentam perda óssea e muscular importantes quando retornam à Terra. Isso mostra a importância desta força para a formação e manutenção destes tecidos.
Por outro lado, se não for contrabalanceada, a força compressiva da gravidade causará progressiva diminuição de altura e deterioração progressiva das articulações. Se aproveitarmos a gravidade para estimular as estruturas de sustentação, ela pode impedir esta compressão e os problemas associados, como as dolorosas hérnias de disco.
A influência da gravidade sobre a morfologia humana é essencial. Assim, para uma combinação entre a reabsorção e a reconstrução do tecido ósseo, o esqueleto se reestrutura para responder às exigências quotidianas da gravidade terrestre. Ou seja, esta reorganização arquitetônica é orquestrada pelos músculos em cadeias miofaciais. O bom equilíbrio corporal depende de uma adaptação permanente e recíproca entre o tônus muscular e a resistência do osso (B. ALENTIN).
Forças x estímulos
Ao lançar uma perspectiva celular surpreendente, R. SOHIER fala sobre a importância de como as forças que transitam pelos nossos tecidos determinam se um estímulo mecânico é BIOmecanogênico (gerador de vida) ou PATOmecanogênico (leva a destruição celular).
Assim, em trabalhos de mecanobiologia in vitro, verificou-se que os condrócitos, responsáveis por secretarem o colágeno do tipo II da cartilagem (deixando-as mais lisas que espelho polido), sofrem uma alteração da sua forma, tornando-se ovalar, em consequência das forças de compressão por período prolongado.
A partir daí, elas não secretam mais o colágeno do tipo II, mas o colágeno do tipo I, como se estes condrócitos tivessem se “”transformado” em fibroblastos. Mas se estas células estiverem localizadas num meio de expansão, elas recuperam sua esfericidade.
Depois de algum tempo, elas secretam novamente o colágeno do tipo II, da verdadeira cartilagem. Essas noções exemplificam como a ação mecânica é capaz de modificar a bioquímica celular. Ao mesmo tempo, ilustra que, se o estímulo agressor for cessado a tempo, há possibilidade de regeneração.
Observamos que a nossa relação com a gravidade pode ajudar a manter saudável este constante e incrível processo de destruição e reconstrução celular. Da mesma forma, pode acelerar o processo de degeneração dos tecidos, ao persistir uma passagem de forças indevida pelos tecidos, ao ponto de destruí-lo definitivamente.
Força da gravidade e Pilates: postura e movimento
O conhecimento de como a força da gravidade age sobre o corpo é importante clinicamente para facilitar o movimento, alterar cargas de exercícios, equilibrar os segmentos e impedir quedas. Por outro lado, o grau de estabilidade ou mobilidade de um corpo depende de quatro fatores: a altura do centro de gravidade (CG) acima da base de suporte, o tamanho da base de suporte, a localização da linha de gravidade dentro da base de suporte, o peso do corpo (L. D. LEHMKUHL e L. K. SMITH).
Portanto, considerando que a linha de gravidade é constante, nós é que modificamos nossa posição para que ela sempre possa incidir sobre o polígono de sustentação (base de suporte), senão perdemos o equilíbrio e caímos. Segundo R. SOHIER, para não gastar muita energia, a estratégia que o corpo utiliza neste reequilíbrio é um ajuste primário no eixo transcoxofemural
Ou seja, vai se organizar pela rotação interna ou externa dos quadris, a partir do posicionamento dos pés, o que repercute na adaptação em cadeia de todos os segmentos corporais na construção desta verticalidade. Esta e outras adaptações subsequentes à gravidade, que ocorrem ao longo do nosso desenvolvimento, mas não passam pela consciêciência e são influenciadas e moduladas por inúmeros fatores internos e ambientais, nos moldam e remoldam ao longo de toda vida.
A partir dessas observações, já vamos delineando essa relação entre força de gravidade e Pilates.
Relação entre força de gravidade e Pilates
Agora, passamos a entender como o Pilates, em toda sua filosofia e aplicação prática, surge como uma ferramenta incrível para ajudar a construir um corpo equilibrado, em boa relação com a gravidade. Desta forma, força de gravidade e Pilates se conectam em harmonia.
Assim, por meio da prática bem dirigida e regular, com a escolha adequada de movimento para a necessidade de cada corpo, com a constante utilização dos seus princípios (Concentração, Centralização, Precisão, Respiração, Controle e Fluidez), passamos a nos mover observando e sentindo nosso corpo em relação a ele mesmo e ao espaço.
Ou seja, ampliamos a consciência corporal, aprendemos a usar nosso centro de força de forma inteligente e integrada, criamos espaços articulares e exploramos relações com a gravidade, em que ela nos estimula a desenvolver nossa mobilidade/estabilidade e força, ajudando a aumentar a amplitude ou oferecendo resistência ao movimento.
Começamos então a sentir, não só saber, que qualquer alteração de posição do corpo no espaço, por exemplo, o simples ato de respirar, modifica nossa relação com a gravidade e estimula a ação muscular na busca constante pelo equilíbrio.
Referências Bibliográficas
- CALLAIS-GERMAIN, Blandine; LAMOTTE, Andrée. Anatomia para o Movimento – Volume 2 – Bases de Exercícios. Editora Manole, 1992.
- LEHMKUHL L. Don; SMITH K. Laura. Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. 4ª ed. Editora Manole, 1989
- SOHIER, Raymond. De la Biomécanique à la Biologie Mécanogène du Concept Sohier à la Kiésithérapie Analytique. Edition Kiné-Sciences, Bélgique, 2010.
- SOHIER, Raymond. De la Physique a la Biologie, le Code de la Biologie Molecuraire Mécanogène des Cellules du Tissu Conjonctif. Disponível em HYPERLINK “https://www.kinesitherapie-analytique-sohier.com” https://www.kinesitherapie-analytique-sohier.com
- VALENTIN, Bernard. Autobiografia de um Bípede: as Cadeias Articulares e Musculares – Método GDS. Editora Insular, 2009.
- VERNIKOS Joan; RUSSOMANO Thais. A Gravidade – Esta Grande Escultora: Como usar a gravidade terrestre a seu favor. EdiPUCRS, 2009.
Juliana Elias
Educadora Polestar Brasil