Alice Becker: Se você mora no Brasil e faz pilates, a culpa é toda dela

Alice becker

Pilates: para melhorar a postura, para corrigir aquele hábito ruim que você não consegue tirar, pela obrigação de ter um exercício físico no currículo ou por mera curiosidade. Não tem jeito: sua mãe faz, o médico da sua amiga do prézinho já indicou a ela que faça, seu primeiro amor já fez mas largou porque não levava jeito e seu melhor amigo não troca por nada nesse mundo. Bom, a culpada por todas essas possibilidades tem nome, sobrenome e endereço: Alice Becker Denovaro, de Salvador, Bahia.

Ok, mais ou menos de Salvador. Alice nasceu no Rio Grande do Sul, mas se autodenomina “baiúcha”. Segundo a própria mãe, foi feita na Bahia, durante as férias, “debaixo dos coqueiros de Itapuã (risos)”. Ela recebeu o HuffPost Brasil em seu estúdio de pilates no bairro de Ondina, sentada em um dos tatames do espaço e alternando a fala suave com um alongamento discreto aqui e ali – e é difícil imaginá-la de outro jeito.

De forma serena, mas tesa, a integrante do Balé do Teatro Castro Alves (desde 1984), conta que veio de vez para capital baiana aos sete anos, junto com os pais e os quatro irmãos. Aprendeu o fascínio pelas artes dentro de casa: o pai era regente, a mãe cantora. Os dois se conheceram “cantando e viajando por aí” em corais do sul do País, e treinaram desde cedo o ouvido dos rebentos. Apesar de já ter se aventurado nos microfones, ao lado de cantoras como Daniela Mercury e Ivete Sangalo, foi na dança que Alice encontrou a sua “menina dos olhos”.

Graduou-se em dança pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e logo entrou na companhia de balé a qual faz parte até hoje como dançarina e solista. Uma lesão no joelho em 1985, no entanto, fez com que ela parasse por um tempo e voltasse toda a sua energia ao meio acadêmico. Arrumou as malas e escolheu o California Institute of The Art, no condado de Los Angeles, na Califórnia, para cursar mestrado em coreografia. Já está sentindo aquela sua dorzinha na lombar melhorar, certo?

A verdade é que tudo mudou com uma “filada de aula”. Mas Alice detestou a disciplina obrigatória de pilates que era ofertada aos estudantes da pós da CAL. “Eu não fiquei encantada no início… Minha professora era muito voltada para a questão estética, me vinha com um papo de: ‘ah, porque o pilates tira culote, tira gordurinha daqui e dali’; eu tave me lixando para isso! Queria saber de técnica de dança”.

Em uma das “escapadas”, foi flagrada pela professora de balé e levou bronca: “Alice, você faltando o pilates! Logo você que tem dificuldade em técnica!”. Ela explicou que o apresentado não condizia com suas expectativas e recebeu, da docente, um convite para testar o “pilates deitado”, num aparelho chamado Reformer – aquela cama de madeira que é praticamente um faz-tudo da modalidade. A coisa mudou de cenário: “eu fiquei louca! Achei o máximo! Considero esse momento como a minha primeira aula, porque ela finalmente me mostrou o que o pilates fazia com a dança”.

Segundo Alice, a dança lesiona muito, “como qualquer esporte”. “E ainda mistura com a arte… Então, na hora que você está dançando, não está preocupado, sei lá, com a posição do joelho, tá preocupado em expressar aquele conteúdo”, explica. O objetivo de atrelar o pilates à dança é, portanto, com esse conhecimento de “biomecânica”, educar o corpo a prevenir, de maneira quase que inconsciente, os ferimentos que podem ser ocasionados durante a atividade física.

A experiência catártica fez com que Alice partir daí começasse não só a frequentar as aulas como a fazer uma formação em paralelo com Marie Jose Blom (hoje uma sumidade do pilates no mundo). Teve, no entanto, de voltar ao Brasil. Mas não chegou aqui sozinha: vendeu fogão e geladeira nos Estados Unidos e comprou um Reformer para chamar de seu e montou o seu primeiro estúdio na sala de casa. Em um ano, já tinha fila de espera. Encomendou mais uma máquina. Outros alunos que também eram bailarinos se interessaram em dar aula. Ela ensinou, então: “A coisa foi crescendo desse jeito, como tudo na vida: organicamente, com a demanda que ia surgindo e com as pessoas acolhendo”.

Enquanto não podia viver apenas do pilates, Alice dava “seus jeitos”. “Quem é artista e bailarino tem que se virar para ganhar um troco. Eu fui modelo, manequim, dava aula de expressão corporal para modelos; com o pilates também, dava aula de manhã e de noite, nos finais de semana cantava. Ia fazendo de tudo um pouco, onde tinha trabalho e bico eu tava lá”, conta.

Só que a fama do método foi crescendo. E foi crescendo de tal forma que a bailarina teve que tirar o estúdio do conforto do lar e arrumar um espaço só para ele. Outra coisa que começou a incomodar: a importação de equipamentos do exterior. Se trazer um eletrônico qualquer dos Estados Unidos não é simples, imagina o transtorno que não era encomendar os equipamentos de pilates. A gota d’água veio quando Alice teve uma encomenda perdida por seis meses no mar. “Trocava de navio, tinha greve no porto… Aí eu falei, sabe de uma? Vou começar a produzir esse troço”.

Entrou em contato com um de seus alunos, o arquiteto Claudio Soares – que hoje em dia é seu marido –, e descobriu que ele conseguia reproduzir os equipamentos. Alice ligou para a fábrica americana e deu a ideia: “Oh, ou você põe uma fábrica aqui no Brasil ou eu vou copiar os seus equipamentos, não aguento mais importar”. O dono da fábrica cedeu a licença, e a dupla montou a primeira fábrica de equipamentos de pilates do País – e que ainda funciona, no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador.

Hoje, mãe de duas filhas, uma de 22 e outra de 14 anos, Alice disse não se dar conta, à época, sobre o quanto o sistema era machista e como ela foi um ponto fora da curva no quesito “inovação”. “Eu tô aprendendo muito isso com elas, elas me mostraram o quanto eu não dava conta desse machismo encrostado. A gente não percebe, vai se acostumando, acha que é normal… e de repente as meninas trazem essas coisas para mim e eu reflito: ‘é, nunca tinha pensado nisso'”.

Ao final da conversa, disse: “Vocês, jovens, tem que entender que a revolução começa daqui de dentro, com a consciência corporal”. Se você mora no Brasil e conseguiu, através do pilates, melhorar a postura, dar aquela tonificada nos músculos, aliviar a ansiedade e o estresse – entre outras cositas más – já sabe a quem reclamar.

Fonte: HuffPost 

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